A Carta

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As ruas, desertas, foram as únicas testemunhas daquele pequeno pedaço de papel que, sem direção, única e exclusivamente ao sabor do vento, planava incerto. Assim, ninguém jamais soube de seu conteúdo, a não ser quem a escrevera, que agora estava num lugar de onde não poderia sair tão cedo.

Dizia mais ou menos assim:

Sabe que te amei e sempre vou te amar, mas é difícil suportar ver como as coisas são, como tudo se tornou tão incerto e escuro, e como você mudou tanto.

Ouve um tempo que sonhei em sempre estar com você, dividir cada segundo meu com coisas tuas, em sentir em mim tudo o que pudesse me oferecer, aceitando sem pestanejar. Mas você mudou. Mudou e, de forma alguma posso dizer que admiro a pessoa que se tornou. Nada pode mudar desta forma sem uma explicação, sem um motivo, e você nunca me disse se possuía algum, e sinceramente duvido que eu possa entendê-los, sejam eles quais forem.

Penso numa lagarta, que, repugnante e perigosa, se recolhe em seu casulo para se tornar um ser melhor, que nos encanta com suas cores vivas e a graça de seu voo. Você, ao contrário, passou, de uma boa pessoa, amigável, amorosa e tenaz, a uma fera pronta para ferir, maltratar e humilhar.

Acredite, não era esta a carta que gostaria de escrever-te, mas é a única que nossa atual condição me permite redigir.

Caso mude, um dia, talvez ainda esteja te esperando, mas somente se você ainda for capaz de amar, de ser quem um dia já foi. Mas não pense que espero que este amor seja direcionado à mim.

Terei de ir, levando consigo algo teu, não por desejo meu, mas por imposição de nossa natureza.

Por fim, o pequeno papel amassado encontrou um precipício e se perdeu. Talvez para sempre.

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