Soncina

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Soncina, uma velha senhora, levantava com dificuldade de sua cama. Há dias não dormia bem, justo ela que estava velha, morava sozinha e precisava descansar o máximo de tempo possível para que pudesse dar conta de seus afazeres no dia seguinte. Não queria que pensassem que ela era uma mulher sebosa. Nunca o fora, não seria agora, na velhice, que deixaria que a insultassem.

A cama velha rangia a cada movimento, os cobertores estavam jogados aos seus pés, com uma das pontas no chão, resultado de seu movimento intuitivo de se livrar deles para se por de pé. Tateou com os pés em busca de suas sapatilhas que sempre ficavam no ponto onde bastasse ela tocar no chão e não encostaria no piso frio, mas no forro de cortiça da sapatilha.

Calçou, se levantou com um pequeno impulso dos braços contra a cama e apanhou um toco de vela num criado-mudo bambo. Acendeu a vela com dificuldade depois de riscar um palito de fósforo na parede de pedra centenária. A fraca luz da chama iluminou o pequeno e pobre quarto, a cozinha ficava logo ao lado, mas ela se sentia fraca e daria qualquer coisa para não ter que ir até lá, mas a sede era torturante, e sentia sua garganta arder, então dispôs-se a ir rápido, quanto antes voltasse para a cama melhor, dormiria mais.

"Um copo ao lado da cama", pensava Soncina aborrecida, "nem pensar, não sei onde aquele doutor estava com a cabeça. Como vou deixar um copo ao lado da cama a noite toda, e se um rato cismar em beber dele? Ou uma barata? Aquele doutor é estranho, e além do mais não é um nativo, não é filho da pedra. E se fosse bom médico não teria acontecido nada do que aconteceu. Nada."

Com a visão embaçada, em parte pela idade, em parte pela teimosia em não usar os óculos que o doutor indicara, e ainda em parte pelo sono mal dormido, Soncina ia em direção a cozinha se apoiando nas paredes, arrastando as sapatilhas de cortiça no piso frio, vagarosamente, até que parou defronte a pia e se serviu da água. O silêncio era tão grande que ela ouviu o líquido bater no fundo do estômago vazio. Soncina não tinha comido nada aquela noite, estivera cansada demais para cozinhar.

Pela janela de vidros grossos ela podia ver grande parte da cidade, porém nada estava visível, nem um metro sequer, nem mesmo os lampiões que iluminavam os corredores estreitos que eram as ruas. Tudo estava silencioso, calmo e envolto numa grossa cortina de névoa.

Soncina deixou a caneca de metal velho cair na pia de pedra gasta com um som metálico que lutou para se propagar, mas, pouco depois de sair dos limites da casa, foi abafado pela névoa, então voltou em direção ao seu quarto. "Tudo está como sempre esteve", pensou Soncina, "e é bom que esteja assim".

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